09 fevereiro 2010

-pelos pequenos espaços entre as palavras não ditas..

- enquanto calçava as meias, notou que talvez fosse a hora de sumir; afinal, ela era tão boa nisso. mais uma de muitas belas fugas majestosas de uma covarde, pois é assim que ela sentia-se.
a outra notaria? sentiria falta? viria atrás? se viesse, é o que queria.. mas ela já duvidava disso, já não sabia mais o que pensar, o que esperar, SE deveria esperar..
talvez o estrago houvesse sido tão grande que não tivesse lugar para uma volta.. ou melhor dizendo, uma continuidade, já que não podia existir fim para algo que nem havia começado.

sentiu suas mãos tremerem, então as esfregou.. estavam transpiradas. não adiantava lavar, ela as sentia pegajosas da mesma forma, não importava quantas vezes as lavasse. pegou sua mochila e seguiu o caminho de todos os dias; "ao menos, o céu está azul", pensou - e pelo segundo dia consecutivo - o que era novidade nos últimos tempos, embora fosse primavera. mas havia uma amarga ironia na forma que o tempo lhe sorria, parecia zombava de sua cara, que lhe esfregava aquilo que ela já se cansava de saber..
covarde, em cada mínima linha branca. covarde, no sol que a queimava. covarde, no vento que rebatia-lhe o rosto. covarde, no imenso azul..
covarde, covarde, COVARDE!

então, com queimação no estômago e a boca seca, se deu conta que talvez tivesse enxergado mal e não fosse essa a hora da fuga, mas - quem sabe - a hora de correr atrás.

09 dezembro 2009

Outra subestância mortal!

Lá estava ela... olhava a outra garota do outro lado da rua com ávido desejo.
Suas pupilas haviam dilatado, seu coração acelerado, e sua percepção se intensificado de forma assustadora.
Hoje falaria com a garota, aquela morena, da qual tinha vinha vigiando todo dia na porta da escola, com seus olhos castanhos que a seguiam e a namoravam de longe.
Porque era tão difícil atravessar a rua e falar algumas palavras? Porque as pernas se tornavam como feias de jumbo e o estômago parecia repleto de mariposas loucas por dentro?
Só tinha que cumprimenta-la, sabia que a troca de olhares era mútua. Já faziam dois meses desde que a vira pela primeira vez. Ali naquele mesmo local, saindo da escola, os cabelos voando com o vento de inverno, caminhando lentamente, assoviando uma canção... Tinha sido amor a primeira vista. Não conseguia tirá-la da cabeça, por mais que tentasse, por mais que fosse necessário, não podia! E depois de um tempo não queria mais.
Sonhava toda noite com o momento que estariam juntas, com as coisas que fariam. Mas por enquanto estava ali do outro lado da rua reparando em cada detalhe daquele corpo, desde o sorriso até as coxas. Era a perfeiçao, ela sabia.
Os níves de dopamina em seu organismo subiam vertiginosamente quanto mais ela olhava, mexeu o pé direito um pouco a frente, e em seguida o esquerdo, mas não havia sido nem meio passo.
Se irritou de súbito consigo própria, tinha se prometido que hoje falaria com ela, que hoje pararia de só olha-la, que hoje teria coragem! Com esses pensamentos arrumou toda sua determinação, sorriu e começou a atravessar a rua.
A única coisa que pensava e via era a garota do outro lado, que sorria ao vê-la vindo, mas então sua expressão mudou para medo! Um grito desesperado saiu de sua boca, a primeira e última palavra que ela ouviria daquela boca: "Nããããããããão!!!!!". Mas o carro na contra-mão com o motorista bêbado fez com que tudo se silenciasse. As luzes se apagaram. Os sons emudeceram.
Acabou! ... (primeiro final, do qual não gostei)
Então o despertador tocou de forma irritante e alta, a menina se sobressaltou, não sabia se assustada mais com o barulho ou com o pesadelo que tinha tido. Olhou pro lado e viu sua namorada acordando tranquila com o despertador. Após silencia-lo elas se olharam. A garota que estivera tento o pesadelo abraçou a companheira da qual tanto gostava e se sentiu grata por ter sido só um pesadelo, estavam juntas e só isso importava! Nada mais!
(Final adicionado para me fazer feliz)

06 julho 2009

-mais uma dose? é claro que eu tô afim..

-Ali de pé, contando as gotas caindo no copo de água.. um, dois, três - não custa muito - quatro, cinco - é só prender a respiração - seis, sete, oito, nove - se for de uma vez é garantido - dez, onze - sim, é o único jeito - doze - vamos, é só engolir e não vomitar - treze, quatorze, quinze, dezesseis - ...não vou conseguir - dezessete - não, não... - dezoito, dezenove, vinte. já era. os vinte segundos entre a vida e a morte e escolhi pela vida, de novo a vida, mas a minha não deveria se chamar "vida", está mais para semi-vida, semi-tudo, ou semi, somente semi. nem mais e nem menos.
as pílulas a mão, o veneno para ratos diluído em água, a brisa que anunciava a chuva entrando pela fresta da janela quebrada, mas faltou coragem.. ou será que tal vontade pode ser considerada ato de coragem? cheira mais a medo, um ato de fuga. você sempre foi medrosa, não é? sempre teve medo de tudo e todos, enquanto seu pior inimigo foi sempre você mesma, e ainda assim quer se considerar corajosa por tomar essa decisão.. talvez fosse coragem mesmo se tivesse ido até o fim, mas você não foi.
agora esta aí, com piedade de si mesma por querer dar adeus a essa semi-vida de derrota atrás de derrota, mesmo sabendo que qualquer sofrimento jamais seria dor justificável para isso, ainda mais sendo você, filhinha única de familia da "plebe rica", teve tudo o que sempre quis, sempre invejada pela mãe de sua prima, estudou em colégio particular, mamãe nunca deixou brincar na rua.
agora você é só reflexo do que um dia foi uma menina da baixa burguesia, e por escolhas próprias, escolhas essas que permitem que as reclamações possam ser feitas somente a si própria, e é o que mais te mata por dentro. sim, é o que mata, mas será que você já não vem morrendo há algum tempo, então?! por isso vive uma semi-vida, você matou seus sonhos, seus desejos, acabou com suas mais doces esperanças afogando todas no amargor de seu âmago intenso, sufocou cada chance de felicidade restante com promessas de um amanhã melhor, de reconstruir tudo amanhã, e amanhã, amanhã, sempre amanhã.. e esse amanhã chegou e você nada fez, você não é nada, NADA!
todos que conviveram com você hoje cursam uma boa faculdade, fazem aquilo que gostam, estão encaminhados para um bom emprego, têm carro próprio, alguns até seu próprio apartamento e você? você tem o mesmo quarto desde quando nasceu dentro da casa de seus pais, é uma desempregada amarga e desiludida, empurra com a barriga a chance de uma boa faculdade.. e reclama da vida estar ruim e quer acabar com ela.
é, talvez você não mereça mesmo viver, aliás.. o que está fazendo aqui ainda? nem adianta chorar, o copo ainda está em sua mão, as pílular a sua frente, vá em frente, a decisão é sua.. sobreviver com uma semi-vida, tomar o sono do adeus ou quem sabe, ter coragem o suficiente para fazer a pior das coisas: se perdoar, e.. recomeçar a viver.

02 julho 2009

A mesma dor

Trabalhava atendendo os funcionários. A menina ouvia todo dia as mesmíssimas reclamações, "Não chegou meu vale transporte" (dá-lhe fazer papelada), "Me machuquei em serviço" (Um pouco mais de papelada), "Quero pedir demissão" (E porque não mais um monte de papelada?)...
Empresa de médio porte, não demorou muito pra todos saberem que naquela semana uma moça havia sido estuprada indo trabalhar as cinco horas da manhã. A garota também soube, mas sem saber o que viria naquele dia.
E aquela tarde era mais uma cheia de papéis e problemas, e teria sido como tantas outras que nem seria lembradas, se não fosse pela mulher simples e miúda que se sentou na mesa da menina. Com olhos fundos, uma tristeza palpável e um certo medo ela entregou a jovem um boletim de ocorrência; era a moça que sofrera um estupro.
Enquanto ela assinava sua própria papelada a menina a observava atentamente, um aperto surgindo, pensando em como ela se sentia, como ela tinha se sentido, os medos, a dor... A empresa como tantas outras, não faria nada, apenas dois dias de folga para ir no hospital sacramentar a papelada e a transferência para um setor mais perto da casa dela. A transferência, que descobriu a menina, vinha sendo solicitada há meses sem ser atendida.
Surgiu uma vontade quase que louca de dizer algo, de abraçar a mulher, de correr em seu socorro, vendo ela assinar com sua letra garranchada folha atrás de folha. Mas ela não conseguiu, apenas na hora de ir embora disse: "Se a senhora precisar de qualquer outra coisa, qualquer coisa, pode voltar", e um sorriso tímido de compreensão.
Então não aguentou, saiu de sua mesa, dizendo que ia ao banheiro, mas foi apenas parar na porta. Uma avalanche de sentimenos a atingiu, respirava fundo e tremia quase que incontrolávelmente.
Sua colega de trabalho, uma que ela nem gostava tanto chegou:
"Você está bem?" Não, ela não estava.
"Posso te abraçar?"
E nos ombros daquela colega ela sucumbiu as lágrimas e soluços, por breves segundos ela era a mulher que partira e a mulher era ela, compartilhando a mesma dor. E assim como a outra, a menina teve que secar suas lágrimas, se recompor, e voltar a trabalhar. Pois ambas precisavam.